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Otumbayeva tem a mesma cara da oposição: não é nenhuma alternativa ao povo pobre e trabalhador do Quirguistão

(Publicado a 29 de abril de 2010)

André Augusto

O recrudescimento nas tensões da Ásia Central, região adjunta aos países em perene vulcanismo social do oriente Médio (incluso o Afeganistão), mostra a importância estratégica que possui para o imperialismo norte-americano. O presidente do Quirguistão, Kurmanbek Bakiyev, fugiu da capital do país após duas jornadas de mobilizações populares e violentos enfrentamentos com as forças de segurança, que saldaram dezenas de mortos (alguns meios divulgam já a cifra de 100 mortos).

O país diretamente implicado na derrubada do regime de Bakiyev é a Rússia. Apesar de Vladimir Putin, primeiro ministro russo, ter alegado não ter nenhum envolvimento com os “distúrbios” no país Quirguiz, não moveu dois palmos de língua para dizer que não estava de acordo com o caso, nem sequer interpretou o levante anti-governamental no primeiro expediente. Para um país que é historicamente acostumado a farfalhar as asas sobre as rachaduras do mundo, como no século XIX com os seus czares, sendo os eminentes protetores da dominação legitimista e os guardiães contra a revolução – o que valeu à Rússia o epíteto de gendarme da Europa – esse processo não pode ter passado despercebido. “Selem seus cavalos!”, bradara Nicolau I da Rússia, após ouvir ter estourada a Revolução de Fevereiro em Paris; e a águia bicéfala saiu, novamente, pela porta dos fundos, não a galope agora, mas na forma de alguns de seus funcionários e suas penas monetárias.

Primeiramente, o novo comando quirguiz agradeceu à Rússia pelo “apoio significativo” na consecução da tomada do parlamento; e, sabida a existência de bases militares russas no país, afirmou que “todas as forças de segurança apóiam o novo regime”. O deposto presidente sugeriu depois “dialogar” com Rosa Otumbayeva, autoproclamada chefe interina do Quirguistão, que alegou ter contatado Moscou assim do êxito da deposição. E por fim, um alto funcionário em Praga disse que Bakiyev, “não havia cumprido sua promessa de fechar a base americana na região”, tarefa necessária, pois, na “ex-república soviética só deve haver uma base – a russa” (fonte: O Estado de S. Paulo, 09/04), defendeu o anônimo.

Quanto a Rosa Otumbayeva, há muito que possui um papel crucial na política interna e externa do Quirguistão. É formada em filosofia pela Universidade Lomonosov de Moscou, presidiu a comissão soviética na Unesco, entre 1989 e 1991, e foi membro da corporação de Ministros de Relações Exteriores da URSS.

Depois da queda da União Soviética em 1991, foi chanceler do Quirguistão independente na equipe do presidente Askar Akayev. A partir de 1997, residiu no exterior, sendo embaixadora nos Estados Unidos e na Grã Bretanha. Portanto, fora embaixadora russa na época da presidência de Bóris Yeltsin, cujo regime foi marcado pela grande corrupção que assolava a Rússia, pelo desemprego e pela fome, além dos conflitos com a Chechênia, assim como responsável pelo colapso econômico e pela venda sem organização de empresas estatais como a Lukoil a empreendedores privados.

Em 2003, foi enviada especial da ONU na Geórgia, onde a Revolução Rosa explodiu, um movimento de protesto popular que derrotou o regime e serviu de precursor da Revolução Laranja de 2004 na Ucrânia e da Revolução das Tulipas em 2005, um ano depois, no Quirguistão.

A título de situarmos a questão nos seus marcos corretos: as chamadas “revoluções coloridas” foram parte de uma política consciente do imperialismo norte-americano (já da era Bush, e mantida por Obama), com participação expressiva de ONG’s financiadas diretamente por este Estado e por suas forças policialescas (leia-se CIA), com o objetivo estratégico de se relocalizar no leste europeu, acertando as contas com o passado ainda recente da Guerra Fria. Não se tratam aqui de revoluções que mudaram o caráter de classe da sociedade ou tampouco do Estado ou, como define Trotsky, não se tratam de revoluções cuja mecânica política consiste na mudança do poder das mãos de uma classe para outra – trata-se, sim, de uma troca de governo entre frações burguesas, dirigida por uma fração da burocracia em detrimento de outra, com interesses internacionais distintos, do pró-oriente ao pró-ocidente. Juntamente com a política guerrerista no Oriente Médio por parte desta mesma potência, puderam levantar governos que levariam até o fim os interesses norte-americanos.

As “revoluções coloridas”, portanto, deram-se no marco da tentativa de reposicionar o combalido imperialismo norte-americano à força de volta ao patamar hegemônico, em áreas que não demonstrariam grande resistência tanto pela pobreza dos países da região quanto pela ausência de poderosas milícias armadas que pudessem ameaçar sua presença, abrindo precedentes materiais para a política mais abertamente bélica e que favorecesse a interferência de Washington no Oriente Médio.

Fato é que com a decadência hegemônica dos EUA, fruto também dos maus resultados até agora obtidos no Iraque e principalmente no Afeganistão, seus interesses puderam ser questionados também no leste europeu, como pudemos ver na guerra da Rússia e da Geórgia no final de 2008, em que os EUA tiveram um papel pífio e não conseguiram rechaçar a investida russa nem seus interesses diretos no país.

Mais uma vez, com o golpe no Quirguistão, onde assume um governo mais inclinado à Rússia, podemos ver a hegemonia norte-americana decadente ser contestada, ainda que de maneira estritamente parcial, cuja tendência pró-russa não sacrifica em nada os interesses norte-americanos diretos na região, como se verá adiante.

A governante interina, Rosa Otumbayeva, rompeu em 2004 com o presidente Akayev para passar às filas da oposição. É parlamentar do Partido Social-Democrata do Quirguistão.

O partido de Otumbayeva, Ala Jurt (“Pátria”), converteu-se no motor que levou Bakyev primeiramente ao poder de estado; isso após uma longa estada nos EUA que lhe rendeu quimeras sobre a construção, no Quirguistão, de uma sociedade ao estilo ocidental. Com isso, não admira em nada que o atualmente proclamado “governo popular” instaurado por Otumbayeva não possua nada de popular, revelando tanto provas automáticas de submissão ao governo russo, inserido completamente nos trâmites internacionais do mercado capitalista, quanto cedendo às pressões externas para “acalmar” as massas quirguizes, inclusive fazendo soar toques de recolher, mecanismos clássicos da repressão militar burguesa.

Para acabar com a aparente dessemelhança entre as intenções de Otumbayeva e os interesses da propriedade privada defendida tanto em Moscou como em Washington – um marco em que são tão idênticos quanto três gotas de água, muito embora trate-se de um lado da burguesia imperialista hegemônica no mundo e de outro uma débil burguesia dependente em ascenso! – o governo auto-proclamado estabeleceu grupos de vigília que se dedicarão a confrontar os “saqueadores” na capital, forcejando a mansidão com todos os subsídios das “Forças Armadas, que estão sob controle”.

As políticas anti-populares de Bakiyev, a corrupção de seu governo, seu giro bonapartista e a colaboração com EUA e Rússia, ao mesmo tempo e de acordo com aquele em cujo bolso mais tilintasse as moedas, foram alimentando um grande descontentamento que explodiu com o aumento das taxas de eletricidade (170%) e calefação (400%). Alguns analistas sustentam que o ataque dirigido pela Rússia contra o governo de Bakiyev como aliado norte-americano, que recrudesceu nas últimas semanas, foi um elemento de peso que detonou a mobilização e que agora Rússia poderia se beneficiar com a queda do governo.

A crise política nesse país da Ásia Central, um dos mais pobres das ex-repúblicas soviéticas, onde 75% da população é muçulmana, pode ter importantes consequências regionais, já que em seu território está localizada a base aérea norte-americana de Manas, nos arredores da capital, que cumpre um papel fundamental para o abastecimento das tropas dos EUA e da OTAN no Afeganistão.

Fica claro que os russos querem a hegemonia sobre as bases militares no país. Segundo outro oficial anônimo do novo governo formado no Quirguistão, haveria uma alta probabilidade de que a base aérea americana no país, que serve as tropas dos EUA no Afeganistão, tenha seu prazo de estadia reduzido. Autoridades de facto quirguizes já anunciavam retirar a base dos EUA do país. Entretanto, os EUA praticamente não tocaram no assunto até agora, muito menos responderam com algo mais concreto.

O que isso sinaliza?

Sinaliza que a oposição dos correligionários de Otumbayeva e essa “líder”, da mesma maneira que o antigo governo de Bakiyev, que nos primeiros anos se mostrara pró-ocidental, mas que em fevereiro de 2009 anunciou finalizar o aluguel da base de Manas após receber inversões financeiras russas, e que entretanto ao primeiro sinal de que os EUA aumentariam o soldo de sua burocracia (de US$17 milhões para US$60 milhões), girou novamente à posição de lacaio do Pentágono (à revelia da vida de milhares de afegãos, que pagaram caro por essa vassalagem), não oporão em nada os movimentos de zigue-zague da crosta governamental quirguiz, olhando para Washington quando a bolsa desta balançar, e voltando-se para Moscou quando Putin recitar as palavras eternamente reconfortantes para qualquer burocracia, “Quem não tem dinheiro, meios e paz, carece de três bons amigos”.

Quando o dinheiro vai à frente, todos os caminhos se abrem; assim como todas as fronteiras nacionais, e para todas as bases militares. Quando se trata do dinheiro, da prostituta universal do gênero humano, os capitalistas provam ter uma só religião.

Ao fim do mesmo dia da insurreição popular, a chefe interina Otumbayeva garantiu a permanência da base aérea americana em Manas, como dito, instalação militar essencial para a consecução das hecatombes no Afeganistão. Ademais, quanto aos acordos para manter a base aérea em Manas, cidade próxima à capital Bishkek, que foram primeiramente firmados pelo próprio presidente deposto Bakiyev, assim se expressou Rosa: “Não temos a intenção de mudar nada na base americana, a prioridade é assegurar a estabilidade para nossos cidadãos. Não vamos alterar nada na base, os acordos existentes seguem em vigor”.

Otumbayeva não rechaça, nem de longe, os mesmos planos imperialistas travados pela “oposição” de Bakiyev. Nem o governo interino nem a atual oposição de Bakiyev representam qualquer alternativa para a melhoria das condições de vida da população quirguiz e de sua camada operária, que foi utilizada como aríete de assalto para satisfazer a necessidade de cúpulas governamentais genuinamente vendidas às potências estrangeiras. A batalha da classe trabalhadora pela democracia operária deve ser conduzida por comitês de auto-organização das massas que subvertam a constituição vigente através de contundentes ações políticas que tenham efeito prático imediato no progresso de suas condições de vida, que os meios da existência e da atividade dos trabalhadores sejam relocalizados às suas próprias mãos e não mais estejam concentradas nas mãos dos capitalistas; e não com demagogias parlamentares e a apatia de uma casta política preocupada com o esboço de uma nova Constituição, e com a saúde desta.

Constituições são removíveis; e devem sê-lo na medida em que não mais se quadrem às necessidades sociais sempre em desenvolvimento dos trabalhadores e das massas populares. Não há nada sagrado e imovível em pedaços de papel; são, no mais, atestados transitórios de todos os eventos, tanto trágicos como heróicos – justamente pela expansão da ação mais ou menos organizada das alas históricas progressivas – por que tiveram de passar as massas trabalhadoras e o povo pobre para superar a sua própria sociedade. Os testamentos constitucionais são escritos na água pelas massas e, nesse sentido, a nova Constituição deve ser Revolucionária, levantada justamente pelas massas trabalhadoras e sob a custódia de suas forças de classe.

No último dia 16, Bakiyev renunciou à presidência e deixou o Quirguistão para a cidade de Taraz, no Cazaquistão. O ex-presidente deposto “mudou” de idéia, pediu que saísse em segurança do país junto a seus familiares, e embainhou definitivamente a coragem que não possuía. Para cortar o fio dessa coragem, na verdade, esforços foram feitos conjuntamente entre o presidente do Cazaquistão Nursultan Nazarbayev, o presidente norte-americano Barack Obama e o presidente russo Dmitry Medvedev. As posições da base aérea norte-americana em Manas nunca estiveram tão asseguradas; o governo russo renuncia com admirável facilidade, se não à trivialidade de suas palavras, pelo menos ao seu conteúdo.

Enquanto isso, o povo afegão pagará pela cumplicidade criminosa de Otumbayeva. As mortes “acidentais e inadvertidas” continuarão numa escala cada vez maior com o desespero imperialista dos EUA de liberar suas forças armadas do terreno asiático e girá-lo à Europa, quando necessário, para suplantar os vindouros levantes proletários, de que a crise econômica em curso é a parturiente. Stanley McChrystal continuará a ser o primeiro violino a lastimar as “mortes indevidas de civis inocentes” e, no esforço de diminuir mas não acabar com as mortes afegãs, contradição lógica absurda, saberá declamar: “As mortes acidentais são um percalço infeliz no decurso da chacina mais necessária. Pois se é certo que devemos reduzir o número de vítimas inocentes, é uma tontice esperar que possamos assassinar nossa própria missão”.

Somente a associação dos trabalhadores e das trabalhadoras desses dois países pode reverter as ações do governo facínora de Barack Obama. Uma aliança operária e popular, sob a direção da vontade consciente organizada dos trabalhadores afegãos e quirguizes, juntamente à população oprimida do campo, deve dissipar tanto a invasão militar norte-americana na região quanto a presença de bases militares russas no Quirguistão. E isso antes que os norte-americanos e os russos o façam por si mesmos. Estrategicamente, o fim da opressão e da exploração dos trabalhadores e do povo pobre do Oriente Médio só se dará de fato no marco da transformação revolucionária destes estados em uma unidade, em Estados Unidos Socialistas do Oriente Médio.

 

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