Especiais Iskra

por André Augusto e Iuri Tonelo

 

 

A poesia da Revolução é global. Ela não pode transformar-se em moeda pequena para uso lírico temporário dos fazedores de sonetos. A poesia da Revolução não é portátil. Ela está na dura luta da classe operária, seu crescimento, perseverança, seus defeitos e reiterados esforços, no cruel desprendimento de energia que sempre custa a menor conquista, na vontade e intensidade crescentes da luta, no triunfo e também nos recuos calculados, na vigilância, nos assaltos, nas ondas da rebelião de massa, assim como na cuidadosa avaliação de forças e na estratégia de um jogo de xadrez”

Leon Trotsky



 

No último dia 20 de agosto de 2010 se cumpriram 70 anos desde o assassinato de um dos dirigentes máximos da revolução russa de 1917 e fundador da IV Internacional, Leon Trotsky, pelo carrasco enviado a mando de Jósef Stálin, Ramon Mercader. Entre as diversas contribuições teóricas que o grande revolucionário russo ofereceu ao marxismo, estão o desenvolvimento da teoria da revolução permanente, discussões sobre Estado operário, sobre a história da Revolução Russa, além de temas não abordados pelo marxismo dogmático, como cultura, arte, literatura, modos de vida etc.; no plano político, uma das lutas principais da vida de Trotsky – além de ter sido dirigente do Exército Vermelho, que derrotou o exército contra-revolucionário financiado por toda a união dos países imperialistas contra a Revolução Russa – foi   principalmente a guerra feroz que este revolucionário travou contra a oligarquia do Kremlin, a burocracia stalinista, que se provou o maior empecilho para a continuação da linha política e da tradição revolucionárias oriundas da Revolução de Outubro, e que teve conseqüências catastróficas mesmo para as fileiras que reivindicavam genuinamente o marxismo no pós-guerra. Assim como sua luta contra toda manifestação de arbitrariedade, opressão e exploração por parte das classes dominantes, eixos medulares do modo de produção e da sociabilidade do capitalismo, em direção à revolução proletária mundial.

Nestas décadas de reação capitalista no terreno das conquistas materiais dos trabalhadores e de suas idéias, tornar a revitalizar as lições históricas legadas por Marx, Engels, Lênin e pela Quarta Internacional fundada por Leon Trotsky em 1938 significa começar a restabelecer com firmeza os débeis fios de continuidade que os trotskistas do pós-guerra – pertencentes à única organização a nível internacional que se contrapôs à enorme traição da direção stalinista, que nos processos revolucionários pós Segunda Guerra jogou um papel de freio consciente das massas e verdadeiro agente da ordem imperialista – não conseguiram manter vivos, unidamente à tradição revolucionária que carregavam.

Restabelecer essa herança teórico-programática é também enfrentar de frente o “hábito” imposto pelas classes dominantes segundo a qual a única atitude dos trabalhadores e trabalhadoras no âmbito de trabalho deve ser a obediência, a submissão, a resignação às condições precarizantes de trabalho, a associação ingênua às condições do seu opressor. Significa combater, no terreno sólido da teoria científica da revolução, a falácia de que o que existe de melhor para os trabalhadores é o rápido crescimento do capital produtivo, ou seja, a lógica de que quanto mais rapidamente os trabalhadores incrementem e alarguem uma riqueza que não lhes pertence, um poder que lhes é hostil, mais ricas serão as migalhas que cairão das mesas dos capitalistas.

Os revolucionários marxistas não podemos deixar reinar a idéia de que a melhor saída existente para os trabalhadores é construir grilhões dourados com os quais a classe exploradora os arrasta; nem podemos permitir que os trabalhadores caiam nas armadilhas cotidianamente preparadas pela burguesia para que sirvam de força de alargamento do golfo social que os separa dos produtos de seu trabalho e de sua própria força produtiva de criação. Da mesma maneira, e com igual veemência, devemos denunciar insistentemente, reiteradamente, todos os organismos e mecanismos com que os exploradores tentam dividir as fileiras da classe trabalhadora, tentativas que têm como expoente o aparelho da terceirização do trabalho. Tudo isso no sentido de resgatar ao primeiro plano da subjetividade dos trabalhadores a perspectiva de uma sociedade, nas palavras de Marx, baseada na livre associação dos produtores.

Além disso, uma lição que a tradição revolucionária do marxismo nos legou e a qual Trotsky sempre foi o mais profundo adepto é se compreender os fenômenos enquanto contradição e, nas relações econômicas e entre Estados, ter a clareza de que não há outra via para se compreender a dinâmica internacional a não ser buscando os nexos e contradições entre as economias dos países, os interesses que se chocam e estão no jogo de forças da dinâmica política da relação entre os Estados. Na apreciação e caracterização dos problemas mais nacionais, é preciso buscar respostas também no seu contrário, ou seja, no âmbito internacional, num movimento constante entre o particular e o universal.

Desse ponto de vista, para os revolucionários, não basta criar organizações nacionais, ou que só se detenham no contexto nacional e que, por conseguinte, não extrapolam as fronteiras colocadas pela burguesia entre a classe operária em seus diversos países. É preciso que lutemos e encarnemos os interesses e anseios da classe operária no terreno mundial e que criemos organizações e movimentos com uma perspectiva internacionalista orgânica. “O internacionalismo”, diz Trotsky, “não é um princípio abstrato: ele não é senão o reflexo político e teórico do caráter mundial da economia, do desenvolvimento mundial das forças produtivas e do ímpeto mundial da luta de classes”. Assim que temos buscado criar diversas campanhas internacionais em forma de prestar, tendo em vista nossas forças, solidariedade orgânica para com a classe operária internacional.

Nesse sentido, uma das principais campanhas a serem discutidas nesse momento está no fato chave de se lutar pela defesa do que resta das bases econômicas dos Estados operários ainda existentes como Cuba, por mais burocratizados e deformados que estejam, pois sua perda seria a recapitulação de uma derrota histórica. Mesmo que não possua como pano de fundo a época histórica e as proporções em que vieram países como Rússia e China, o princípio dos marxistas é o mesmo: é um dever lutar pela defesa do Estado operário contra toda agressão imperialista, combinando isso com o mais feroz ataque à burocracia castrista, tendo em vista as últimas declarações trágicas de Fidel Castro com um claro sentido restauracionaista e o ataque profundo que a classe trabalhadora cubana recebeu, com o anúncio de 500 mil demissões[1]. A intenção é demitir mais de 1,300,000 trabalhadores do serviço público no total.

Num contexto de uma crise econômica mundial em curso que percorre os caminhos de uma agoniação e agudização crescentes, tanto mais obrigatória é a defesa de conquistas tão colossais como a economia planificada e a expropriação da burguesia contra a restauração das relações capitalistas, não importa quão débeis e esfaceladas aquelas estejam. Para derrotar a burocracia castrista em Cuba e seu regime reacionário de partido único, essa burocracia tem de ser derrocada sim, mas não pelos centros imperialistas, e sim pelo proletariado revolucionário, através do programa da revolução política. Para conseguirmos novas posições com nossa classe, a classe operária, precisamos saber defender as velhas posições, e defendê-las com os métodos da luta revolucionária.

Agora, também podemos observar as convulsões sociais no palco central da história revolucionária na Europa, a França. As reformas previdenciárias de Sarkozy arrastaram diversos setores às ruas.  Nos diversos países, a juventude, que começa a se unir cada vez mais organicamente aos trabalhadores, mostram que não se podem aceitar governos que insistem em reformular um presente fundado no passado, fundado num modo de produção que já caduca sobre os ossos daqueles que o mantêm vivo. A juventude começa a mostrar nas ruas que anseia por um programa que lhe ofereça um futuro.

Os trabalhadores, por sua via, começam a se utilizar de sua força estratégica na sociedade e entender que organizados podem dar respostas à altura dos desafios que o século XXI nos coloca: greve gerais, atos e manifestações, ocupações de setores estratégicos industriais e aparecimento de consignas que extrapolam os governos burgueses são alguns indícios de o porquê a burguesia deve tremer diante de seu futuro.

 

 

Nesse espectro, é decisivo combater as burocracias sindicais contra a política de chamar “jornadas de luta” isoladas para desafogar a pressão vinda da base dos trabalhadores, que não compactuam com o “diálogo social” com as camarilhas e os governos reacionários da Europa. Não basta apenas prorrogar a greve, mas sim fazer o chamado firme para a greve geral por tempo indeterminado. É necessário ajudar, a um só tempo, tanto a mobilização dos trabalhadores como sua tomada de consciência acerca da política das direções sindicais. Quanto aos ativistas sindicais e trabalhadores combativos, desgostosos com a política da direção sindical, têm a necessidade de sentir que sua indignação é compartilhada e sua vontade de fazer enfrentar-se com a direção é apoiada.

A nós, cabe-nos aprender com os ensinamentos teóricos e práticos da vida de Trotsky e atuar da maneira mais intensa e apaixonada em cada frente de batalha, em cada posto de trabalho, em cada universidade, escola etc., para que consigamos criar campanhas internacionalistas profundas, que eduquem nossos ativistas e nossa classe a elevar a política rotineira ao nível da política revolucionária, e que ajude, dentro das possibilidades, a classe operária e a juventude em cada um dos países a se reconhecer enquanto classe que transcende as fronteiras e que tem um inimigo comum mundial instalado em cada país: a burguesia e a sociedade burguesa do capital. É preciso um internacionalismo orgânico!

Além, é preciso prestar atenção à vida e responder-lhe os problemas adequadamente! O cálculo cuidadoso do jogo de forças e as investidas precisas contra o adversário não podem desligar-se do esforço apaixonado por sacudir aqueles que estão entorpecidos pela rotina, por obrigar-lhes a abrir os olhos e fazer-lhes ver o que se aproxima; desligar o complexo individual dos grandes sentimentos sociais que dão vida significa responder a realidade eternamente mutável com matéria morta, com reproduções imóveis e, portanto, insuficientes. Como diz Trotsky, “a grande debilidade de muitos ‘revolucionários’ consiste em sua absoluta incapacidade de entusiasmar-se, de elevar-se sobre o nível rotineiro das trivialidades, de fazer surgir um vínculo vital entre ele e aqueles que o rodeiam. O que não pode incendiar-se, não pode incendiar sua vida nem a dos demais. A fria malevolência não é o bastante para apoderar-se da alma das massas. […] É necessário que a consciência se sinta ganha por grandes objetivos.

Assim, tanto de um ponto de vista teórico como de um ponto de vista prático (que estão unidos dialeticamente), Leon Trotsky aparece com referência para aqueles que anseiam em aprofundar o combate permanente contra a sociedade do capital e construir uma sociedade para a emancipação do proletariado, para resgatar os fundamentos teórico-programáticos de uma visão marxista revolucionária dos acontecimentos mundiais como um terreno único de um gigantesco palco da luta de classes, baseada na economia mundial, e que sirva como um pilar importante para a reconstrução do partido mundial da revolução, a IV Internacional, impulsionando os trabalhadores a lutarem pelo poder e iniciarem independentemente, por suas próprias forças, a transição ao socialismo.

 

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